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Bebidas

A primeira vez que bebemos foi chopp de casamento, amargo, quente e horroroso, que fez a gente vomitar dias sem parar e jurar nunca mais colocar tal veneno na boca. Mais uma promessa nunca cumprida. Vieram outros casamentos, porque chopp se tomava debaixo de um toldo coberto por encerado Locomotiva armado numa barraca no fundo do quintal dos pais da noiva. O chopp vinha em barris de madeira e o gelo ficava protegido por serragem e não gelava nada. Aí, crescemos, todas a moças bonitas se casaram e passamos a beber outras bebidas. Acabaram-se os casamentos com barracas cobertas com encerado Locomotiva e nunca mais vimos aquele olhar doce e tranqüilo que se escondia e se mostrava como uma onda no mar no meio de pessoas desfocadas, uma bóia de luz num oceano em que a gente se perdia e se afogava. Velhos tempos.

Juvenil de Souza engarrafa
sonhos e quimeras que mostra
neste canto de página.


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Olhos doloridos de um cão morrendo


Até hoje os olhos tristes e atônitos dele não saem dos olhos da gente. Eram redondos, pretos como jabuticaba madura, alegres e ligeiros como um serelepe agitado, mas naquela hora de agonia pareciam pedir uma explicação para o que estava acontecendo. No colo do menino, o cãozinho estertorava e os dois sofriam dolorosamente aquele momento tristemente triste e nenhum deles sabia, ainda, que era o último minuto que passariam juntos.
O cãozinho era um vira-lata inteligente, preto com algumas manchas brancas e se chamava Toquinho devido ao tamanho e as pernas curtas. O menino pediu tanto, chorou tanto que a mãe não teve jeito, levou o cão para casa num domingo à tarde.
Dois dias depois, já era a alegria da família. Era puro amor entre o cãozinho e o menino. Uma tarde de domingo, o cãozinho começou a latir sem motivo, recusava a água na vasilha, não comia e espumava pela boca. Ficou louco, disse o vizinho. Não havia veterinário e chamaram o farmacêutico, que confirmou - não há o que fazer.
Precisava ser sacrificado, palavra que o menino e o cãozinho não sabiam o que significava,
talvez algum remédio salvador ou uma dolorida injeção. Chamaram um caçador conhecido, amarraram o cãozinho num pé de árvore e o caçador atirou, certeiro e fulminante.
O menino, que assistia de longe, correu, pegou o animalzinho no colo e ficou agarrado a ele lacrimejando, o nariz escorrendo e uma dor profunda no coraçãozinho palpitante.
Os olhos do cãozinho foram esmaecendo e se apagando, como que dizendo adeus e o menino foi levado para a casa de uma tia na fazenda Amália para esquecer a dor.

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O menino

Com um pequeno enxadão quase sem corte o menino desce o trilho de terra batida, chão de areia branca, pedregulhos machucando os pés descalços, calças curtas, boné puído na cabeça de cabelos anelados, uma lata vazia de manteiga na mão esquerda para guardar as minhocas que vai arrancar lá embaixo, junto aos pés de bananeira que só ele conhece.
No domingo, ele e o pai vão pescar. Estilingue no bolso a estrada é velha conhecida; tem marmelo cagão, araticum, marolo, cafezinho, que dá dor de cabeça, uma jabuticabeira do mato de frutas azedas, maracujás do mato, bacupari, goiabas, jatobás, ingás, cabeludinhas, limão bravo e outras frutas da época. Imerso em seus pensamentos, ao lado do pai, sonhava com peixes grandes, um rio manso correndo, uma namorada que ele amaria de todo o coração, um filho que ele levaria para pescar, dias eternos, que a vida não mudaria nunca e fosse sempre como aquele domingo de lanche no embornal de pano, pássaros sentados no arame da cerca, água gelada da mina sorvida pela palma da mão.
Um sonho que a vida levou.

Juvenil de Souza é o verdadeiro Peter Pan. Se recusa a crescer.

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Tempos negros

Naquele tempo a gente não esquecia nada, a memória era afiada como navalha e atualmente esquecemos de tudo, ainda mais agora com essa doença insidiosa que vai nos deixando fracos e perrengues.
É remédio de hora em hora, comida fraca de enfermaria, urinol em baixo da cama, suores frios á noite e uma baita duma dor na barriga que parece que vai estourar. Quero pedir desculpas aos poucos leitores pelas falhas naquilo que escrevemos, porque, de verdade, a memória parece que vai embora, vai sumindo aos poucos como se fosse até a porteira Preta, depois para a fazenda Amália, rio Pardo, Cajuru, e vai sumindo a cada respirada mais funda que damos. E o corpo também não responde a nada, inerte na cama, sonhamos partidas de futebol, gritos da torcida, um jogo de bolinha de vidro, a bicicleta quebrada e de pneu furado, o dia em que a bola de capotão furou na cerca de arame farpado, a briga com o moleque na rua, sorvetes de gosto inesquecível, um olhar de repente na tarde quente.
Mas o que a gente vislumbra daqui do quarto frio, soro nas veias doloridas é uma janela fechada com uma cortina puída e ouvimos um aparelho batendo como um relógio acabando a corda.tic...tic...tic

Juvenil de Souza não é mais aquele.

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Nossa seleção

Nem Ronaldinho, nem Romário, nem Pelé, nem Garrincha. Nossa seleção vem do tempo de torcer no campo modesto da avenida Rio Branco. Renito Capeletti ( Pituca), Pavão, Elenir (Jandi) e Caetaninho; Luíz Dias e Pé de Pato; Bim Belizze, Tiãozinho Fonseca, Tunin da Bina e Sete- imbatível. O presidente do clube seria o Lazinho de Oliveira, o comentarista seria o Tunin Tavares, o chefe da delegação o Chiquinho Figueira, técnico, Osmar Idalino, médico, doutor Zé Rocha e Neco e Chachá massagistas. Poderia ainda convocar reservas de luxo, como o Floriano, Mazinho, Zé da Manteiga, Cabaça, e outros. Com certeza, seríamos campeões.

Juvenil de Souza convoca seguindo orientações do saudoso Osmar Idalino
--- “É prá frente que o carro canta”.


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Verdes de antigamente

A gente pede insistentemente para que alguém informe se ainda tem mangueiras nos quintais como antigamente e se elas estão começando a dar flores neste começo de junho, frio chegando.
Será que ainda existe aquela mangueira que ficava na beira da estrada que ia par a represa, do lado da chácara dos Passoni, bourbon das grandes amareladas e perfumadas e que dava vontade de comer até a casca...
E aquelas imensas mangueiras da praça Mariah Pia, de várias qualidades e que esborrachvam no chão, se oferecendo pra gente, maduras e doces como mel...
E a jaqueira que ficava ali no pastinho dos Titarelli, gordas e perfumadas que a molecada ia pegar sem que ninguém se importasse.
O pé de jenipapo, fruta de gosto ruim, azeda e estranha com a qual as donas de casa faziam um licor que era distribuído depois de rezado o terço nas casas e que deixava a gente completamente tonto de prazer. Será que restou algum pé de lima nos pastos onde vacas pastavam tranqüilas e quietas, limas doces e de cascas finas, finalzinho amargo que grudava no céu da boca. Ainda tem o jatobazeiro na matinha da Santa Rita, de frutos ásperos, fedidos e sem gosto nos quais a gente fazia três furos com a ponta da tesoura da mãe e chupava o pó fino e esverdeado e quando acabava tudo a gente quebrava para degustar oNque restava e ficava no final um caroço marrom e duro.
Havia pés de gabiroba atrás da matinha do Delduque, marolo cagão, araticum, pindaíba, veludinho, marolinho, goiabas vermelhas e brancas, macaúba, coquinho catarro, garrafinha
azuladas que travavam a língua. Alguém sabe onde foi parar tudo isso, se isso tudo ainda existe ou ficou tudo como é aqui na cidade escura e fria onde não se vê nenhuma árvore, nenhum bicho, a não ser o bicho homem, que vai acabando com tudo...?

Juvenil de Souza não tem um mísero vaso na janela.

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Tempo de Amar

A gente levantava cedinho, debulhava
o milho para as galinhas no terreiro e a galinha cuidava dos pintinhos carinhosamente.
Os passarinhos faziam ninho nas goiabeiras, botavam ovos coloridos dos quais nasciam outros passarinhos e assim por diante. Tudo estava pronto e organizado, os bichos eram bichos, as árvores eram árvores, vento era vento, o sol nascia e morria e de noite a gente ir dormir sem sustos e sobressaltos.
Cada dia era outro dia, cada noite era outra noite. As brincadeiras eram diferentes a cada momento, mas eram sempre as mesmas. Na escola, havia os mistérios das contas de somar, dividir, multiplicar e a beleza escondida das palavras e as letras miúdas da professora de óculos grossos. As estações do ano chegavam e iam marcando os tempos - tempo de manga, de jabuticaba, de soltar papagaio, de nadar no córrego, férias, frio, carrapatos, vento, tempo de fazer as detestadas lições de casa, tempo de gripe, sarampo, catapora, caxumba, quermesses, de festa, de ir aos bailes da vida e tempo de amar perdida e apaixonadamente aquela menina que não sabia que a gente existia.
Naquele tempo, era tudo organizado e acontecia igual e diferente todo dia.
Mas a gente não sabia nada disso.

Juvenil de Souza ainda espera, ardentemente, encontrar de novo seu tempo de amor.

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